terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mensagem


A «Mensagem» é uma colectânea de poesias breves e concisas, compostas em diferentes épocas, mas contendo uma unidade de inspiração: percorre-a um sopro patriótico de exaltação e incitamento à grandiosidade portuguesa.
O livro divide-se em três partes:
-   Brasão, onde desfilam os heróis lendários portugueses,  simboliza a proposta portuguesa ao mundo,  o nascimento de uma nova ideologia, de uma nova mentalidade fundada por um povo eleito por Deus que, desse modo, está destinado a triunfar;
-    Mar Português, inspirado na ânsia do desconhecido e no esforço heróico da luta contra o mar, é a justificação marítimo-imperial da proposta portuguesa ao mundo.Simboliza o triunfo, a vida, a concretização do império marítimo português;
-    Encoberto, síntese profética de Portugal, mediada no Quinto Império, um império já não terreno mas espiritual e cultural. Acredita-se que o desejado, simbolizado em D. Sebastião, chegará numa manhã de nevoeiro, isto é, chegando ou chegado, se não perceberá que chegou. Daí a regeneração portuguesa partir do encoberto, do indefinido, do nevoeiro. O final do império, a morte, a queda e destruição, o fim, servirão para renovar a ideia de um novo ciclo triunfante na história portuguesa. 

      A acção dos heróis só adquire pleno significado dentro de uma referência mitológica. Só terão direito à imortalidade aqueles homens ou feitos que manifestem em si esses mitos significativos:
   -   os fundadores que criaram a pátria 
   - os heróis navegantes que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio;
- os profetas que anunciam aquele que virá regenerar a pátria moribunda, abrindo-lhe uma nova era, um novo ciclo – o Encoberto
A «Mensagem» é, então, considerada poesia épica «sui generis», não só pela sua estrutura fragmentária, como também atitude introspectiva, de contemplação no espelho da alma e pelo tom menor adequado à reflexão. Ao contrário d`«Os Lusíadas», que enaltece os feitos, a «Mensagem» mentaliza a matéria épica, integrando-a na corrente subjectiva  de introspecção. Mais do que cantar os feitos, Pessoa pretende explorar as intenções que os fizeram possíveis. Pessoa revela-nos uma dupla face de tédio e ansiedade, de céptica lucidez e intuição divinatória, a crença numa predestinação nacional de que Deus age pelo braço dos nossos heróis.

Fernando Pessoa



Fernando Pessoa
Nasce a 13 de Junho, dia de Santo António, num prédio em frente do teatro de S. Carlos, filho de Maria Madalena Nogueira e de Joaquim Pessoa. A família do pai é oriunda de Tavira – lugar escolhido mais tarde para berço de Álvaro de Campos – e a família da mãe tem raízes nos Açores.
O pai morre de tuberculose em 1893, aos 43 anos. Dois anos mais tarde, a mãe volta a casar com João Miguel Rosa, que será cônsul português em Durban, na que é então a colónia inglesa de Natal. Em 1896 viaja com a mãe para Durban, onde fará toda a sua instrução primária e secundária. Aí se matricula em 1902 numa Escola Comercial, onde aprende os elementos da sua futura profissão. Por essa altura começa a escrever, em inglês e já sob o nome de outro – Alexander Search, o que continuará a fazer até 1910: é uma poesia de índole tradicional, muito à maneira dos românticos ingleses, e nela afloram todos os grandes temas futuros.
Faz exame de admissão à Universidade do Cabo, recebendo, pelo ensaio que é parte da prova, e entre 899 candidatos, o Queen Victoria Memorial Prize, e no ano seguinte, 1904, matricula-se no liceu de Durban. Aí se prepara para o exame do primeiro ano da Universidade, em que vem a obter a melhor nota, pelo que deveria ter acesso a uma bolsa conferida pela Colónia do Natal para ir para Inglaterra fazer um curso superior. No entanto, a bolsa é entregue ao segundo classificado (aparentemente pelo facto de ser inglês). Em 1905 volta sozinho para Lisboa e matricula-se no Curso Superior de Letras, com tão pouco entusiasmo que não chega a passar do primeiro ano.
Começa em 1907 a trabalhar como correspondente estrangeiro de casas comerciais. E, em 1908, começa a escrever poesia em português.
Publica em A Águia, durante o ano de 1912, uma série de três artigos sobre «A Nova Poesia Portuguesa», em que o «próximo aparecer do supra-Camões» é o tema-chave. Nesse mesmo ano conhece Mário de Sá-Carneiro, que pouco depois parte para Paris, e inicia com ele uma correspondência (publicada em 1951) através da qual se trocam ideias literárias e artísticas que hão-de estar na base dos «ismos» de referência da geração de OrpheuPaulismo, Interseccionismo, Sensacionismo – na movência contemporânea das Vanguardas europeias, Futurismo, Expressionismo e Cubismo.
Uma carta a Adolfo Casais Monteiro de 1935 situará o aparecimento dos heterónimosAlberto Caeiro, o camponês sensacionista, Ricardo Reis, o médico neo-clássico e Álvaro de Campos, o engenheiro extrovertido – com precisão excessiva, no dia 8 de Março de 1914. O que só de certo modo (simbólico, ficcional) corresponde à verdade, pois a consulta dos manuscritos revela que os primeiros poemas de Caeiro datam de Março, e os de Campos e Reis de Junho. Será esta, porém, a fase mais produtiva de Pessoa e de todo o Modernismo. No ano seguinte, saem em Março e Junho os dois números da revista Orpheu, que na altura provocam escândalo e gargalhada mas hão-de transformar o século XX português. Aí apresenta Pessoa a peça O Marinheiro e os poemas de Chuva Oblíqua assinados com o seu nome, e principalmente, Opiário, Ode Triunfal e Ode Marítima de Álvaro de Campos. Começa por essa época, igualmente, a interessar-se por teosofia, o que marca a sua atracção de toda a vida pelos caminhos ocultos do conhecimento.
Em 1917 colabora no Portugal Futurista, outra revista central do Modernismo português, com Ultimatum de Álvaro de Campos - também publicado em separata. Envia The Mad Fiddler a uma editora inglesa, que recusa a sua publicação. Chega a estar em adiantada preparação o n.º 3 do Orpheu, de que se conhecem provas tipográficas, incluindo sete poemas de Pessoa e um longo poema, Para Além Doutro Oceano, assinado por C. Pacheco, singular personagem parecida com Álvaro de Campos que tem aí a sua única aparição.
Em 1918 publica dois opúsculos de poemas em inglês, 35 Sonnets e Antinous. No ano seguinte conhece Ofélia Queirós, e inicia em 1920 o primeiro período do seu namoro com ela: são nove meses, documentados por uma correspondência amorosa publicada em 1978. Em 1921 cria a editora Olisipo, onde publica English Poems I-II (um Antinous reescrito mais Inscriptions) e English Poems III (que contém Epithalamium), e, como escreverá mais tarde numa carta a Rogelio Buendía, só Inscriptions «são consentâneas com a decência normal». A Olisipo edita ainda A Invenção do Dia Claro, de Almada Negreiros e a 2ª edição das Canções de António Botto.
Dirige em 1924 Athena, revista de Arte mensal que chega aos cinco números, e onde aparece pela primeira vez a poesia dos dois outros heterónimos maiores, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.
Em 1925 morre a sua mãe: em 1926 publica O Menino da sua Mãe na revista modernista Contemporânea.  
Colabora com doze textos de técnica e teoria do comércio nos seis números da Revista de Comércio e Contabilidade, dirigida pelo seu cunhado Francisco Caetano Dias em 1926. Bernardo Soares aparece pela primeira vez publicamente em 1929, e, pelo menos no seu desenho de personagem, é uma espécie de resultado literário da experiência de correspondente comercial de Pessoa, usando um registo que aproxima o seu Livro do Desassossego de uma espécie de diário, o de um homem só entregue à deambulação lisboeta e ao devaneio lírico. Nesse mesmo ano se reacende o amor e a correspondência com Ofélia Queirós, ao longo de quatro meses.
O seu único livro de poemas em português, Mensagem, sai a 1 de Dezembro de 1934, e ganha um dos prémios nacionais instituídos por António Ferro.
Em Janeiro de 1935 envia a Adolfo Casais Monteiro a célebre e já citada carta sobre a génese dos heterónimos. Aí fixa, para além dos detalhes do mítico «dia triunfal» em que os heterónimos aparecem todos de seguida, a encenação daquilo a que chama o «drama em gente», e que virá organizar devidamente as relações que as personagens de poetas estabelecem entre si – e se estabelecem entre as suas obras. Assim, Alberto Caeiro surge como o Mestre, aquele que traz a verdade – a verdade da sensação. Os outros dois são os seus discípulos, um de educação clássica estrita e outro de educação moderna científica: Ricardo Reis e Álvaro de Campos. O próprio Fernando Pessoa afirma considerar-se discípulo de Alberto Caeiro, acedendo então a um convívio quotidiano com os heterónimos num universo alternativo, e, dentre todos, estabelecendo uma relação privilegiada com Álvaro de Campos, seu verdadeiro alter ego. Outro membro do clã imaginário é Bernardo Soares, um semi-heterónimo por não ser inteiramente um outro como cada um dos outros é. E, é claro, a heteronímia é uma máquina de fantasias complexa e variada, tecido de relações e de contradições à volta de certos temas centrais, o sentir e o pensar, o ver e o imaginar, o saber e o sonhar, o poder criador das palavras e a verdade como contradição essencial.
É internado no Hospital de S. Luís dos Franceses. Escreve aí o seu último verso, imitado mais uma vez de Horácio, mas onde se lê, além de inquietação, a terrível e insaciável curiosidade do esotérico: «I know not what tomorrow will bring». Morre no dia seguinte, a 30 de Novembro.
A sua obra começará a ser publicada sistematicamente, em livro, só a partir de 1942, e a primeira versão de O Livro do Desassossego apenas chegará a sair em 1982. Assim atravessa todo o século XX, de que fica a ser um dos nomes maiores.
                                                      Prof. Fernando Cabral Martins

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Um aluno chamado Mário Sá Gomes...

 Pertence à turma 12º SHN e desde o primeiro dia que me chamou a atenção o seu olhar, com qualquer coisa de misterioso e triste. 
Profundamente delicado, inteligente e atento, a serenidade do seu tom de voz transmite Paz. Porque é pela Paz que o Mário luta. 
Agora que, por acaso, descobri a sua Vida de coragem em prol dos valores humanistas que defende numa África que todos quereríamos diferente, sinto uma profunda felicidade em ser sua professora de Português.
A Escola Secundária de Sacavém deve justamente orgulhar-se por poder contar entre os seus alunos com Homens como o Mário, que só a dignificam.
                                                                          
                                                                     Obrigada, Mário!

Mário, estamos orgulhosos de ti!



 

 Em 2009, o activista guineense dos Direitos Humanos Mário Sá Gomes foi o vencedor do Prémio Amilcar Cabral, atribuído anualmente pela Associação cabo-verdiana Tabanka Onlus (Itália

Roma, 04 Dez (Inforpress) - O activista guineense dos Direitos Humanos Mário Sá Gomes é o vencedor do Prémio Amílcar Cabral, atribuído anualmente pela Associação cabo-verdiana Tabanka Onlus (Itália).
O anúncio foi feito hoje pelo presidente da Associação, Jorge Canifa, no final de um encontro de três dias intitulado “África: cruz no meio do mar", que decorreu na sala da Radio Vaticana em Roma, com vista à preparação do Sínodo africano, a ter lugar na capital italiana em 2009.
O prémio, que vai ser entregue num encontro que tem lugar hoje à noite, no espaço cultural da associação Cabo verdemania, foi instituído em Janeiro de 2005 e tem o objectivo de manter viva a memória de Amílcar Cabral e a afirmação do pensamento do fundador da nacionalidade cabo-verdiana.
A Tabanka Onlus é uma associação constituída, essencialmente, por jovens cabo-verdianos da segunda geração em Itália, e que se interessa, sobretudo, pela cooperação com Cabo Verde e promoção da cultura cabo-verdiana naquele país europeu.
O prémio Amílcar Cabral é conferido cada ano a personalidades e instituições que desempenharam um papel importante para a justiça, paz e  desenvolvimento e pela boa imagem da África.

Prémios Amílcar Cabral

2010 - Tibô Évora (Presidente da associação Jovens de Pleyel)
2009 - Mário Sá Gomes (militante dos Direitos do Homem)
2008 - Corsino Tolentino (escritor, político) e Piero Gamacchio (jornalista)
2007 - Bertina Lopes (pintora),Filomeno Lopes (filósofo e músico) Celina Pereira (contadora de histórias)
2006 - Dina Tower (historiadora),Bruna Polimeni (fotógrafa),Walter Veltroni (Presidente da Câmara Municipal de Roma) e Movimondo (ONG)

        Vale a pena lermos a comunicação de Mário Sá Gomes :
Sala de Imprensa da Rádio Vaticano - Roma, 04 / Dezembro / 2008
- Excelência Cardeal Frederico Lombarde ;
- Excelência Cardeal Aquilis Silvestrini
- Excelência Senador Julho Andreoti;
- Excelências Senhores Embaixadores da Santa Sé;
- Excelências senhores Embaixadores dos países aqui presentes;
- Senhores representantes dos Organismos Internacionais;
- Caros convidados;

- Minhas Senhoras e meus Senhores

Permitam-me, em primeiro lugar, exprimir toda a minha honra em participar, nesta Sala de Imprensa da Rádio Vaticano na Jornada Africana para os Direitos Humanos, Pacificação e Desenvolvimento.
Aproveito esta ocasião para em meu nome e em nome da nossa organização, apresentar os nossos melhores cumprimentos e reiterar a nossa profunda gratidão ao Dr. Filomeno Lopes, e toda a equipa e instituições que
contribuíram para que a realização deste evento fosse uma realidade. Com esta minha alocução, desejo fazer chegar os meus afectuosos votos de um fecundo desempenho a todos os Missionários da Igreja Católica, ao nosso Santo Papa Bento XVI, os Cardeais, os Bispos, em particular os Bispos de Bissau e Bafatá Don Camnate Na Bissim e Dom Pedro Zili, os distintos Padres Ermano Battisti e Dionisio Ferrarro, colegas activistas dos Direitos Humanos espalhados no mundo em particular, Músicos, Escritores, Jornalistas e todas as mulheres e homens que estão sendo e que têm sido vítimas de violências e outros abusos inqualificáveis,  aproveitando desde já para reiterar a minha profunda gratidão a todos aqueles que directa ou indirectamente se solidarizaram comigo nos momentos tão conturbados em que a minha vida esteve sob ameaça eminente por parte das Forças de Defesa e Segurança da Guiné-Bissau. Permitam-me também sublinhar a importância que este evento assume num contexto em que quase todas as regiões de África estão confrontadas com as múltiplas formas do mal, caracterizada pelos conflitos violentos, assassinatos, execuções extra judiciais e desaparecimentos forçados. Importância essa testemunhada a diversos níveis: antes de mais, pela vincada presença de todos os presentes nesta cerimónia, testemunhando de forma calorosa a vossa compaixão para com o povo Africano. Mas também, e sobretudo, porque ao longo de muitos e muitos anos, os países de África tem procurado trilhar os caminhos da democracia, do pluralismo político e da edificação do Estado de Direito. (...) Valores sempre defendidos pela Igreja Católica na Europa, em África e em todos os continentes, porque proporcionam a plenitude da cidadania e propiciam, consequentemente, um ambiente favorável aos investimentos e ao exercício de actividades económicas produtivas que criam riqueza e incrementam o bem-estar e o progresso para todos. Mas infelizmente, sabemos o quanto esse objectivo não tem sido alcançado. A Guiné-Bissau é um país com carências a todos os níveis provocadas pelas sucessivas crises político-militares que têm afectado o nosso país, e que tiveram efeitos devastadores sobre o Estado de Direito. Em várias ocasiões o sistema legal guineense tem sido arruinado com a insurreição das Forças Armadas contra as instituições Democraticamente instituídas, motivadas muitas das vezes pela falta de lealdade dos dirigentes políticos e pela má governação. Contudo, temos que reconhecer que esforços e vontades têm-se conjugado, incessantemente, no sentido de criar as condições básicas que permitam contornar as causas de tais crises e, assim, poder-se avançar no rumo certo. Nesse empreendimento, a Guiné-Bissau tem contado com o apoio e a colaboração inequívocos dos seus parceiros nacionais e  internacionais, entre os quais a Comissão Europeia, as Nações Unidas, a CPLP e a União Africana e, de uma maneira muito particular, a Igreja Católica, DIOCESE de BISSAU e de BAFATÁ, respectivamente, que sempre estiveram e continuaram ao lado do País para o acompanhar nos seus momentos mais difíceis.
Apesar da universalidade da Igreja Católica, é importante realçar o contributo da Igreja Católica no continente Africano, mas é sobretudo justo considerar que essa contribuição foi possível graças à Fé e à compaixão dos Africanos para com as nossas Igrejas. Por isso, não obstante os problemas que o nosso continente enfrenta, podemos considerar África como um Continente de Fé. Sem recuar muito no tempo, posso apontar, como um dos marcos do empenho da Igreja Católica na resolução dos problemas que existem e na determinação de os resolver, o papel que o nosso Bispo de Bissau Don JoseCamnate Na Bissim assumiu em Outubro de 2004, para a restauração da ordem constitucional, aquando da insurreição do grosso de contingentes militares guineenses que estiveram na missão de manutenção da paz na Libéria que tomaram de assalto o Estado Maior General e assassinaram o então Chefe do Estado-Maior General Veríssimo Correia Seabra e o Coronel Domingos de Barros no dia 6 de Outubro de 2004. Pela sua responsabilidade histórica para com a Guiné-Bissau e, tendo em conta as fraquezas que o país apresenta, a Igreja Católica deve redobrar esforços com vista a fortalecer a capacidade dos missionários e organizações que trabalham em prol da construção da família humana na Guiné.
Caríssimos...
Desde o início do mundo os justos foram perseguidos e em vários casos foram mortos. Aconteceu com profetas e seus seguidores, e de igual modo aconteceu com várias figuras que marcaram a história de África em particular. Refiro-me a
Amílcar Cabral, ao célebre herói vivo Nelson Mandela, Marcelino dos Santos, Kwame N’krumah, Agostinho Neto, Cheikh Anta Diop, Don Settimio Ferrazzetta, e outros. Amílcar Cabral, enquanto pai da nação Guineense e Cabo-verdiana, lançou as sementes que constituíram a base para a Justiça Paz e Bem-Estar para o Povo da Guiné-Bissau e de Cabo-Verde. Por isso as suas obras não deveriam resumir-se apenas às bibliotecas e ou às celebrações. É necessário um engajamento identificado de todos os seus seguidores, amigos e parceiros tradicionais, para transformar essas obras em projectos concretos, susceptíveis de produzir um impacto positivo na vida desse povo hoje dividido em dois. Cabral foi um homem com uma dimensão extraordinária cujos sonhos se resumiram nas aspirações e no progresso dos povos da Guiné-Bissau e Cabo-Verde juntos. As suas obras atingiram essa dimensão graças aos apoios e solidariedade de vários parceiros e países amigos. Não será justo abandonar as obras iniciadas por Amílcar Cabral pela simples razão de ele ter sido morto.
Cabral estava ciente e confiante de que ia morrer como qualquer ser humano, com a esperança de que as suas obras iriam continuar a ser implementadas por várias gerações. O objectivo comum para todo o povo guineense é a reconquista da paz, e ela só será possível com a verdade pelo menos foi o que a Santa Igreja nos ensinou. A paz para nós significa a tranquilidade espiritual, não pode ser reduzida a simples ausência de conflito armado, mas tem de ser entendida como um fruto da ordem que o divino criador estabeleceu para a sociedade humana. Durante a celebração do V° aniversário da nossa Organização no dia 26 de Março de 2007 fiz questão de recordar aos meus irmãos guineenses uma das passagens da mensagem tradicional para o Dia Mundial da Paz, em que Sua Santidade Papa Bento XVI tinha escolhido como tema de reflexão do ano 2006 “ Na Verdade a Paz ” exprimindo uma convicção de que sempre que o homem se deixa iluminar pelo esplendor da verdade, empreende quase naturalmente o caminho da Paz. E sublinha que a constituição pastoral gaudium et spes do Concilio Ecuménico Vaticano II, concluído há 40 anos, afirma que a humanidade não conseguirá construir um mundo mais humano para todos os homens, a não ser que todos se orientem com o espírito renovado para a Verdade da Paz. A originalidade da missão da nossa organização é incitar as autoridades do país a quebrarem os padrões da impunidade e a consequente restauração da justiça, bem como ajudar a conduzir os cidadãos à obediência da Lei, aos princípios do humanismo, contribuindo desta forma para a afirmação do Estado de Direito e Democrático através de campanhas de sensibilização e manifestações pacíficas.
Apesar de muitos dos nossos países de África terem assinado e ratificado vários tratados particularmente sobre os direitos Humanos, muitos dos direitos prometidos têm sido ignorados. Existe um padrão nacional de ameaças de morte, assassinatos, processos judiciais, criminalização dos movimentos sociais e desqualificação moral dos Defensores dos Direitos Humanos e Jornalistas. Mesmo Cabo-Verde, país com a melhor performance na área dos direitos humanos e desenvolvimento a nível da África lusófona, a violência doméstica continua a falar alto no arquipélago. É importante sublinhar a diferença do ambiente e condições de trabalho em que trabalham os defensores dos direitos humanos em África e no resto do mundo. Por exemplo no nosso país, com o actual contexto caracterizado pelo novo fenómeno do tráfico de droga e o alto índice de criminalidade e de descrédito na Justiça, vem piorar a situação, provocando assim que os defensores, incluindo jornalistas que investigam o tráfico de droga, trabalhem com frequência em ambientes e condições extremamente hostis. Algumas das violações e obstáculos com que nós nos confrontamos enquanto Defensores dos Direitos Humanos produzem impactos coercivos na nossa vida e na dos nossos familiares, prevalecendo às vezes por muito tempo. As ameaças de morte, por exemplo, já forçaram muitos de entre nós a mudarmos as nossas rotinas diárias, bem como as dos nossos familiares directos e alguns de entre nós já abandonaram o país, em busca de asilo temporário no exterior. Em várias ocasiões somos objectos de acusações por parte de agentes do Ministério do Interior ou da Procuradoria-geral da República, e obrigados a enfrentar um processo criminal. Aquando da celebração do V° aniversario da nossa Organização em 2007, escolhi como tema de reflexão para esse ano “ Garantir a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos Num Estado Falhado”, reflectindo a preocupação do conhecimento insuficiente das autoridades do nosso país, bem como da maior parte dos nossos dirigentes e do público em geral, sobre o papel vital dos defensores dos Direitos Humanos na implementação dos postulados internacionais em matéria dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Constitui uma preocupação muito séria particularmente no caso do nosso país ainda por desmilitarizar, e que apresenta um sistema legal com grandes deficiências, devido às ingerências ocultas como tinha sublinhado anteriormente. Estou aqui hoje nesta sala com o simples fito de testemunhar a realidade dos activistas dos Direitos Humanos na Guiné-Bissau em particular. Com a vossa permissão, sem pretender alongar a minha explanação, quero sublinhar alguns aspectos que marcaram o meu percurso enquanto defensor dos Direitos Humanos.
Em 26 de Março de 2002, pela primeira vez na história da Guiné-Bissau, um activista dos Direitos Humanos foi preso no exercício do seu mandato. Refiro-me à minha detenção pela Polícia Judiciária Guineense a mando do então Procurador-geral da República, falecido Dr. Caetano N’tchama, seguido da invasão brutal à sede da Liga Guineense dos Direitos Humanos pelos agentes da polícia.
Já fui preso três vezes no exercício do meu mandato enquanto dirigente de organização dos Direitos Humanos e uma vez julgado por um tribunal ilegal durante três dias consecutivos, enquanto estava sob custódia da Policia Judiciária. O julgamento terminou com uma sentença forjada de dois anos de prisão em Abril de 2002, que não foi efectivada porque fui absolvido pelo Supremo Tribunal três meses depois, graças a um recurso interposto pelo meu
advogado. A minha última prisão aconteceu a 22 de Abril de 2004, pelo Ministério do Interior, quatro horas depois de eu ter efectuado algumas ofertas aos familiares dos prisioneiros que estiveram indefinidamente presos no quartel do exército de Cumeré.
Só em 2007 fui notificado mais de 14 vezes pelos órgãos judiciais guineenses principalmente pela Procuradoria-Geral através do Ministério Público, devido às pressões que a nossa organização tem estado a exercer para que os casos dos assassinatos por motivos políticos e mortes sob custódia sejam investigados e que seja feita justiça de forma a desencorajar as pessoas que planeiam cometer tais tipos de crimes. A Guiné-Bissau está confrontada com um desafio extremamente difícil que é o combate ao narcotráfico, e que tem assombrado a costa ocidental Africana, constituindo uma ameaça à identidade do povo guineense e à integridade do país. O combate a este flagelo deveria constituir uma tarefa de todos os cidadãos guineenses em particular. Tomei a liberdade de emitir a minha opinião no dia 11 de Julho de 2007 sobre eventuais medidas possíveis para um combate eficaz e urgente do flagelo em causa. Essas medidas, de acordo com o meu ponto de vista pessoal, passariam pelas mudanças dos comandos das forças de defesa e segurança bem como a reforma do aparelho judiciário e administrativo do país. A opinião foi mal acolhida no seio dos órgãos em causa, apesar de as evidências serem claras, o
que não constitui segredo para ninguém. Assuntos esses que já foram objecto de análise pela opinião pública nacional e internacional, e constam nos relatórios dos países interessados no assunto, e das Nações Unidas em particular. Por essa simples razão fui procurado pelos agentes das Forças Armadas e de segurança do Ministério do Interior bem como da Polícia Judiciária em todo o território nacional. Esses factos foram reportados no passado mês de Julho e Novembro de 2007 pelo Canal 4 da televisão da Inglaterra, cujo filme se encontra disponível na Internet através do site: http://www.channel4.com/news/articles/society/law_order/africas+drugs+gatewa y+to+europe/611152.
Por isso tive que me refugiar num lugar discreto e posteriormente na sede das Nações Unidas, aguardando uma melhor percepção e interpretação da minha opinião. Regressei à minha vida social no dia 23 de Agosto de 2007, com garantias de segurança reforçada por parte do Ministério da Administração Interna, na presença dos representantes de várias organizações da sociedade civil nomeadamente a Liga dos Direitos Humanos, o Movimento Nacional da Sociedade Civil, a Organização West Africa Net Work for Peace Building, e do meu Advogado, Dr. Amine Saad. Com esta mensagem conto poder encorajar mais pessoas a defenderem os direitos humanos para se tornarem Defensores dos Direitos Humanos, recordando que os Defensores dos Direitos Humanos são sobretudo identificados pelo que fazem a favor da promoção e protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Quero igualmente encorajar as organizações que têm lutado para pôr fim à Violência contra a mulher e a mutilação genital, para procederem com as suas campanhas e lobing junto dos governos e parlamentares com o propósito de fazer dos direitos da mulher e das crianças uma realidade. As mulheres africanas não devem ser vítimas da nossa antiga educação, elas constituem a espinha dorsal desse continente e assumem a maior parte da vida da família. Por isso não devem ser tratadas como animais e as suas fidelidades ganham-se por confiança e afecto e não através da violência ou de meios rituais bárbaros…                      
                                           Muito Obrigado
                                                                                  Mário Sá Gomes


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Não se esqueçam de estudar!


Pois, há teste no dia 29...
Toca a estudar....

O Modernismo

O Modernismo em Portugal
Resumo

1. Movimento do Orpheu (Primeiro Modernismo)

Fernando Pessoa, educado na África do Sul sob influência da cultura inglesa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Santa -Rita Pintor, que beberam em Paris as últimas novidades literárias e plásticas do Futurismo e de outras correntes modernas, por alturas da Primeira Grande Guerra (1914 - 1918), lançaram em Portugal o movimento modernista, publicado no jornal Figaro através do Manifesto Futurista de Marinetti.
O grande motor de arranque do movimento foi a revista Orpheu, de que saíram dois números apenas (1915). Outras revistas se lhe seguiram, divulgadoras da mesma mensagem artística: Centauro (1 número), Portugal Futurista (1 número), Contemporânea (13 números - 1922-33) e Athena (5 números - 1924-25).
Os homens deste movimento modernista escandalizaram e assustaram os intelectuais e a sociedade "bem pensante" da época, tal a sua inclinação para o desprezo do bom senso, com tendências que evolucionavam do sentir sebastianista mais delirante até às ciências ocultas e à astrologia.
O que se pretendia era escandalizar. Os dois números do Orpheu surgiram mesmo "para irritar o burguês, para escandalizar, e alcançaram o fim proposto, tornaram-se alvo das troças dos jornais". Era assim que se procedia à maior reviravolta da literatura portuguesa.
Pessoa e os outros sentiam-se entediados pelos seus contemporâneos. O repúdio do espírito da Renascença Portuguesa, em que pontificava Teixeira de Pascoaes, foi o primeiro efeito desse tédio: "Nós não somos do século de inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas".
As tendências do primeiro Orpheu evolucionaram do Decadentismo-Simbolismo até ao Modernismo sensacionista de Álvaro de Campos.
O Futurismo e o Sensacionismo devem-se, em Portugal, aos homens mais influentes do movimento Orpheu: Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro.
O Futurismo, lançado na Europa sobretudo pelo poeta italiano Marinetti, é representado em Portugal pelos seguintes textos e autores: "Ode Triunfal" (1914) e "Ultimatum" (1917) de Álvaro de Campos; "Manucure" e "Apoteose" (1915) de Sá-Carneiro; "A Cena do Ódio" (1915), "Manifesto Anti-Dantas" (1916) e "Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Séc. XX" (1917) de Almada Negreiros.
Ao mesmo tempo que se mostravam demolidores dos sistemas ideológicos tradicionais, estes homens impunham também um conceito novo de Arte, substituindo o conceito de Belo (imitação harmoniosa da Natureza), herdado da velha "estética aristotélica". Queriam uma estética que espelhasse o mundo progressivo do futuro, uma estética dinâmica e agressiva. Daí a defesa de uma autêntica liberdade da escrita, com recurso ao verso livre e aos atropelos morfo -sintácticos, às metáforas e imagens arrojadas, um estilo que destruía o EU, isto é, toda a psicologia, na literatura, voltando-se para o mundo da técnica, o estilo da força física, do mecanismo e da própria violência: "Queremos na literatura a vida do motor".

2. Movimento Presença (Segundo Modernismo)

A revista Presença, nascida em Coimbra em 1927, lança o movimento do segundo Modernismo. Muitas vezes se insistiu no aspecto contestador do movimento Presença em relação ao movimento Orpheu, mas a verdade é que todos os críticos aceitam hoje que a Presença é que mais contribuiu para a divulgação e para o enaltecimento do primeiro Modernismo, embora sendo também certo que os autores da Presença revelavam esbatimento quanto aos exageros chocantes dos homens de Orpheu.
A revista Presença foi precedida em Coimbra pelas revistas Bizâncio (1923), Tríptico (1924), em que colaborava já aquele que viria a ser o principal fundador e redactor da Presença, o grande poeta José Régio. Colaboraram com este Gaspar Simões, Miguel Torga, Branquinho da Fonseca, etc.
A Presença, sobretudo pela voz de José Régio, insistia na necessidade de uma "literatura viva", baseada na imaginação psicológica, e denotando influências de Dostoievsky, da filosofia de Nietzsche e da psicanálise de Freud. Daí o falar-se muito do Psicologismo do segundo Modernismo. O que se exigia do escritor era "uma sinceridade vinda da região mais profunda, inocente e virgem do subconsciente". De notar que os homens da Presença se distanciaram sempre do espírito das literaturas de explícita intervenção político-social, como os do Neo-Realismo.

Algumas Características do Modernismo:
  • Esquecimento do passado e propósito de construir e criar o futuro;
  • Desprezo por tudo o que é clássico, tradicional e estático (museus, academias, servilismo aos mestres, etc);
  • Repúdio do sentimentalismo pelo ingresso frenético na vida activa, através da exaltação do homem de acção e simultaneamente através do repúdio do homem contemplativo;
  • Culto da liberdade, da veracidade, da energia, da força física, da máquina, da violência, do perigo;
  • Culto da originalidade através de uma busca incessante de expressividade máxima;
  • Novo conceito de Arte: deve ser a força, o dinamismo, o domínio dos outros;
  • O Universalismo. 

Lusíadas- As reflexões do Poeta




Reflexões do Poeta

Críticas e conselhos aos Portugueses
O poeta faz diversas considerações, no início e no fim dos Cantos da sua epopeia, criticando e aconselhando os Portugueses.
Por um lado, refere os «grandes e gravíssimos perigos», a tormenta e o dano no mar, a guerra e o engano em terra; por outro lado, faz a apologia da expansão territorial para divulgar a Fé cristã, manifesta o seu patriotismo e exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do povo português.
Nas suas reflexões há louvores e diversas queixas aos comportamentos. Se realça o valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio lamenta, por exemplo, que os Portugueses nem sempre saibam aliar a força e a coragem ao saber e à eloquência, destacando a importância das Letras. Se critica os povos que não seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento, chegou a todos os cantos do Mundo, não deixa de queixar-se de todos aqueles que pretendem alcançar a imortalidade, dizendo-lhes que a cobiça, a ambição e a tirania são honras vãs que não dão verdadeiro valor ao homem. Daí, também, lamentar a importância atribuída ao dinheiro, fonte de corrupção e de traições.
Lembrando o seu «honesto estudo», «longa experiência» e «engenho», «Cousas que juntas se acham raramente», confessa estar cansado de «cantar a gente surda e endurecida» que não reconhece nem incentiva as suas qualidades artísticas.

Canto I 
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!


No mar tanta tormenta, e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante das forças poderosas da Natureza (tempestades, o mar, o vento...), do poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos.
Não é por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I, quando o herói ainda tem um longo e penoso percurso a percorrer.


Canto V 
Vai César, sojugando toda França,
E as armas não lhe impedem a ciência;
Mas, numa mão a pena e noutra a lança,
Igualava de Cícero a eloquência.
O que de Cipião se sabe e alcança,
É nas comédias grande experiência.
Lia Alexandro a Homero de maneira
Que sempre se lhe sabe à cabeceira.


Enfim, não houve forte capitão,

Que não fosse também douto e ciente,
Da Lácia, Grega, ou Bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão somente.
Sem vergonha o não digo, que a razão
De algum não ser por versos excelente,
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque, quem não sabe arte, não na estima.

 O poeta lastima o desdém a que os Portugueses votam as Letras, não reconhecendo o valor da Arte. Apresenta o exemplo de grandes homens da Guerra, como César, que estudam e têm livros de poesia à cabeceira, dando importância ao conhecimento e à cultura, que levava a que as armas não fossem incompatíveis com o saber.
Não é, infelizmente, o que se passa com os portugueses: não se pode amar o que não se conhece, e a falta de cultura dos heróis nacionais é responsável pela indiferença que manifestam pela divulgação dos seus feitos. Apesar disso, o poeta, movido pelo amor da pátria, reitera o seu propósito de continuar a engrandecer, com os seus versos, as «grandes obras» realizadas.
Manifesta, desta forma, a vertente pedagógica da sua epopeia, na defesa da realização plena do Homem, em todas as suas capacidades.

Canto VI – O poeta realça o verdadeiro valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio. O herói faz-se pela sua coragem e virtude, pela generosidade da sua entrega a causas desinteressadas.
Continuando a exercer a sua função pedagógica, o poeta defende um novo conceito de nobreza, espelho do modelo renascentista: a fama e a imortalidade, o prestígio e o poder adquirem-se pelo esforço - na batalha ou enfrentando os elementos, sacrificando o corpo e sofrendo pela perda dos companheiros; não se é nobre por herança, permanecendo no luxo e na ociosidade, nem pela concessão de favores se deve alcançar lugar de relevo.)

Canto VII

 Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego!
Eu, que cometo insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário,
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.

Olhai que há tanto tempo que, cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A fortuna mo traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo, e novos danos:
Agora o mar, agora experimentando
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Canace, que à morte se condena,
Numa mão sempre a espada, e noutra a pena.


Agora, com pobreza avorrecida,

Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo, mais que nunca, derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado
Que não menos milagre foi salvar-se
Que para o Rei Judaico acrescentar-se.

E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles, que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.

Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valorosos,
Que assim sabem prezar com tais favores
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para porem as coisas em memória,
Que merecerem ter eterna glória!

O poeta queixa-se da ingratidão de que é vítima. Ele que sonhava com a coroa de louros dos poetas, vê-se votado ao esquecimento e à sorte mais mesquinha: os que detêm o poder não lhe reconhecem o serviço que presta à Pátria.
Numa reflexão de tom marcadamente autobiográfico, o poeta exprime um estado de espírito bem diferente daquele que o caracterizava, no Canto I, na Invocação às Tágides: precisa de auxílio porque teme que o barco da sua vida e da sua obra não chegue a bom porto. Uma vida que tem sido cheia de adversidades, que enumera: a pobreza, a desilusão, perigos do mar e da guerra, «Nũa mão sempre a espada e noutra a pena;». Em retribuição recebe novas contrariedades - de novo a crítica aos contemporâneos, e o alerta, para inevitável inibição do surgimento de outros poetas, em consequência de tais exemplos.

Canto VIII
Este rende munidas fortalezas,
Faz tredores e falsos os amigos:
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos:
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências;

Este interpreta mais que sutilmente.

Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente,
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus Onipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude.

Faz uma severa crítica ao poder corruptor do dinheiro. A propósito da narração do suborno do Catual e das suas exigências aos navegadores, são agora enumerados os efeitos perniciosos do ouro - provoca derrotas, faz dos amigos traidores, mancha o que há de mais puro, deturpa o conhecimento e a consciência; os textos e as leis são por ele condicionados; está na origem de difamações, da tirania dos Reis, corrompe até os sacerdotes sob aparência de virtude.
Retomando a função pedagógica do seu canto, o poeta aponta um dos males da sociedade sua contemporânea, orientada por valores materialistas.

Canto IX

Que as Ninfas do Oceano tão formosas,
Tethys, e a ilha angélica pintada,
Outra coisa não é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas proeminências gloriosas,
Os triunfos, a fronte coroada
De palma e louro, a glória e maravilha:
Estes são os deleites desta ilha.



E fareis claro o Rei, que tanto amais,
Agora com os conselhos bem cuidados,
Agora com as espadas, que imortais
Vos farão, como os vossos já passados;
Impossibilidades não façais,
Que quem quis sempre pôde; e numerados
Sereis entre os Heróis esclarecidos,
E nesta Ilha de Vénus recebidos.

 O poeta incita os homens a alcançarem a verdadeira glória e a fama, que não se conseguem pela cobiça, a ambição ou a tirania, mas pela justiça, a coragem e o heroísmo desinteressado. 

Canto X 

No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Düa austera, apagada e vil tristeza.

E não sei por que influxo de Destino
Não tem um ledo orgulho e geral gosto,
Que os ânimos levanta de contino
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós, ó Rei, que por divino
Conselho estais no régio sólio posto,
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes.

Olhai que ledos vão, por várias vias,
Quais rompentes liões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes de Idolatras e de Mouros,
A perigos incógnitos do mundo,
A naufrágios, a pexes, ao profundo.

Por vos servir, a tudo aparelhados;
De vós tão longe, sempre obedientes;
A quaisquer vossos ásperos mandados,
Sem dar reposta, prontos e contentes.
Só com saber que são de vós olhados,
Demónios infernais, negros e ardentes,
Cometerão convosco, e não duvido
Que vencedor vos façam, não vencido.

Favorecei-os logo, e alegrai-os
Com a presença e leda humanidade;
De rigorosas leis desalivai-os,
Que assi se abre o caminho à santidade.
Os mais exprimentados levantai-os,
Se, com a experiência, têm bondade
Pera vosso conselho, pois que sabem
O como, o quando, e onde as cousas cabem.

Todos favorecei em seus ofícios,
Segundo têm das vidas o talento;
Tenham Religiosos exercícios
De rogarem, por vosso regimento,
Com jejuns, disciplina, pelos vícios
Comuns; toda ambição terão por vento,
Que o bom Religioso verdadeiro
Glória vã não pretende nem dinheiro.

Os Cavaleiros tende em muita estima,
Pois com seu sangue intrépido e fervente
Estendem não sòmente a Lei de cima,
Mas inda vosso Império preminente.
Pois aqueles que a tão remoto clima
Vos vão servir, com passo diligente,
Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
E (o que é mais) os trabalhos excessivos.

Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são pera mandados,
Mais que pera mandar, os Portugueses.
Tomai conselho só d'exprimentados
Que viram largos anos, largos meses,
Que, posto que em cientes muito cabe.
Mais em particular o experto sabe.

De Formião, filósofo elegante,
Vereis como Anibal escarnecia,
Quando das artes bélicas, diante
Dele, com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
Tem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.



Pera servir-vos, braço às armas feito,
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece ser a vós aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a pres[s]aga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina,

Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja.

O poeta volta a referir-se à importância das Letras e diz que está cansado de se dirigir a quem não quer escutar o seu canto, «gente surda e endurecida».
Os últimos versos de «Os Lusíadas» revelam sentimentos contraditórios - -desalento, orgulho, esperança.

«No mais, Musa, no mais […]» o poeta recusa continuar o seu canto, não por cansaço, mas por desânimo. O seu desalento advém de constatar que canta para «gente surda e endurecida […] metida / No gosto da cobiça e na rudeza / Dhũa austera, apagada e vil tristeza.». É a imagem que nos dá do Portugal do seu tempo.
Por contraste, mostra o orgulho naqueles que continuam dispostos a lutar pela grandeza do passado e a esperança de que o Rei saiba estimular e aproveitar essas energias latentes para dar continuidade à glorificação do «peito ilustre lusitano» e dar matéria a novo canto. O poeta encerra a sua obra com uma mensagem que abarca o passado, o presente e o futuro. A glória do passado deverá ser encarada como um exemplo presente para construir um futuro grandioso.



                                                                    Profª Teresa Henrique