sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Mário, estamos orgulhosos de ti!



 

 Em 2009, o activista guineense dos Direitos Humanos Mário Sá Gomes foi o vencedor do Prémio Amilcar Cabral, atribuído anualmente pela Associação cabo-verdiana Tabanka Onlus (Itália

Roma, 04 Dez (Inforpress) - O activista guineense dos Direitos Humanos Mário Sá Gomes é o vencedor do Prémio Amílcar Cabral, atribuído anualmente pela Associação cabo-verdiana Tabanka Onlus (Itália).
O anúncio foi feito hoje pelo presidente da Associação, Jorge Canifa, no final de um encontro de três dias intitulado “África: cruz no meio do mar", que decorreu na sala da Radio Vaticana em Roma, com vista à preparação do Sínodo africano, a ter lugar na capital italiana em 2009.
O prémio, que vai ser entregue num encontro que tem lugar hoje à noite, no espaço cultural da associação Cabo verdemania, foi instituído em Janeiro de 2005 e tem o objectivo de manter viva a memória de Amílcar Cabral e a afirmação do pensamento do fundador da nacionalidade cabo-verdiana.
A Tabanka Onlus é uma associação constituída, essencialmente, por jovens cabo-verdianos da segunda geração em Itália, e que se interessa, sobretudo, pela cooperação com Cabo Verde e promoção da cultura cabo-verdiana naquele país europeu.
O prémio Amílcar Cabral é conferido cada ano a personalidades e instituições que desempenharam um papel importante para a justiça, paz e  desenvolvimento e pela boa imagem da África.

Prémios Amílcar Cabral

2010 - Tibô Évora (Presidente da associação Jovens de Pleyel)
2009 - Mário Sá Gomes (militante dos Direitos do Homem)
2008 - Corsino Tolentino (escritor, político) e Piero Gamacchio (jornalista)
2007 - Bertina Lopes (pintora),Filomeno Lopes (filósofo e músico) Celina Pereira (contadora de histórias)
2006 - Dina Tower (historiadora),Bruna Polimeni (fotógrafa),Walter Veltroni (Presidente da Câmara Municipal de Roma) e Movimondo (ONG)

        Vale a pena lermos a comunicação de Mário Sá Gomes :
Sala de Imprensa da Rádio Vaticano - Roma, 04 / Dezembro / 2008
- Excelência Cardeal Frederico Lombarde ;
- Excelência Cardeal Aquilis Silvestrini
- Excelência Senador Julho Andreoti;
- Excelências Senhores Embaixadores da Santa Sé;
- Excelências senhores Embaixadores dos países aqui presentes;
- Senhores representantes dos Organismos Internacionais;
- Caros convidados;

- Minhas Senhoras e meus Senhores

Permitam-me, em primeiro lugar, exprimir toda a minha honra em participar, nesta Sala de Imprensa da Rádio Vaticano na Jornada Africana para os Direitos Humanos, Pacificação e Desenvolvimento.
Aproveito esta ocasião para em meu nome e em nome da nossa organização, apresentar os nossos melhores cumprimentos e reiterar a nossa profunda gratidão ao Dr. Filomeno Lopes, e toda a equipa e instituições que
contribuíram para que a realização deste evento fosse uma realidade. Com esta minha alocução, desejo fazer chegar os meus afectuosos votos de um fecundo desempenho a todos os Missionários da Igreja Católica, ao nosso Santo Papa Bento XVI, os Cardeais, os Bispos, em particular os Bispos de Bissau e Bafatá Don Camnate Na Bissim e Dom Pedro Zili, os distintos Padres Ermano Battisti e Dionisio Ferrarro, colegas activistas dos Direitos Humanos espalhados no mundo em particular, Músicos, Escritores, Jornalistas e todas as mulheres e homens que estão sendo e que têm sido vítimas de violências e outros abusos inqualificáveis,  aproveitando desde já para reiterar a minha profunda gratidão a todos aqueles que directa ou indirectamente se solidarizaram comigo nos momentos tão conturbados em que a minha vida esteve sob ameaça eminente por parte das Forças de Defesa e Segurança da Guiné-Bissau. Permitam-me também sublinhar a importância que este evento assume num contexto em que quase todas as regiões de África estão confrontadas com as múltiplas formas do mal, caracterizada pelos conflitos violentos, assassinatos, execuções extra judiciais e desaparecimentos forçados. Importância essa testemunhada a diversos níveis: antes de mais, pela vincada presença de todos os presentes nesta cerimónia, testemunhando de forma calorosa a vossa compaixão para com o povo Africano. Mas também, e sobretudo, porque ao longo de muitos e muitos anos, os países de África tem procurado trilhar os caminhos da democracia, do pluralismo político e da edificação do Estado de Direito. (...) Valores sempre defendidos pela Igreja Católica na Europa, em África e em todos os continentes, porque proporcionam a plenitude da cidadania e propiciam, consequentemente, um ambiente favorável aos investimentos e ao exercício de actividades económicas produtivas que criam riqueza e incrementam o bem-estar e o progresso para todos. Mas infelizmente, sabemos o quanto esse objectivo não tem sido alcançado. A Guiné-Bissau é um país com carências a todos os níveis provocadas pelas sucessivas crises político-militares que têm afectado o nosso país, e que tiveram efeitos devastadores sobre o Estado de Direito. Em várias ocasiões o sistema legal guineense tem sido arruinado com a insurreição das Forças Armadas contra as instituições Democraticamente instituídas, motivadas muitas das vezes pela falta de lealdade dos dirigentes políticos e pela má governação. Contudo, temos que reconhecer que esforços e vontades têm-se conjugado, incessantemente, no sentido de criar as condições básicas que permitam contornar as causas de tais crises e, assim, poder-se avançar no rumo certo. Nesse empreendimento, a Guiné-Bissau tem contado com o apoio e a colaboração inequívocos dos seus parceiros nacionais e  internacionais, entre os quais a Comissão Europeia, as Nações Unidas, a CPLP e a União Africana e, de uma maneira muito particular, a Igreja Católica, DIOCESE de BISSAU e de BAFATÁ, respectivamente, que sempre estiveram e continuaram ao lado do País para o acompanhar nos seus momentos mais difíceis.
Apesar da universalidade da Igreja Católica, é importante realçar o contributo da Igreja Católica no continente Africano, mas é sobretudo justo considerar que essa contribuição foi possível graças à Fé e à compaixão dos Africanos para com as nossas Igrejas. Por isso, não obstante os problemas que o nosso continente enfrenta, podemos considerar África como um Continente de Fé. Sem recuar muito no tempo, posso apontar, como um dos marcos do empenho da Igreja Católica na resolução dos problemas que existem e na determinação de os resolver, o papel que o nosso Bispo de Bissau Don JoseCamnate Na Bissim assumiu em Outubro de 2004, para a restauração da ordem constitucional, aquando da insurreição do grosso de contingentes militares guineenses que estiveram na missão de manutenção da paz na Libéria que tomaram de assalto o Estado Maior General e assassinaram o então Chefe do Estado-Maior General Veríssimo Correia Seabra e o Coronel Domingos de Barros no dia 6 de Outubro de 2004. Pela sua responsabilidade histórica para com a Guiné-Bissau e, tendo em conta as fraquezas que o país apresenta, a Igreja Católica deve redobrar esforços com vista a fortalecer a capacidade dos missionários e organizações que trabalham em prol da construção da família humana na Guiné.
Caríssimos...
Desde o início do mundo os justos foram perseguidos e em vários casos foram mortos. Aconteceu com profetas e seus seguidores, e de igual modo aconteceu com várias figuras que marcaram a história de África em particular. Refiro-me a
Amílcar Cabral, ao célebre herói vivo Nelson Mandela, Marcelino dos Santos, Kwame N’krumah, Agostinho Neto, Cheikh Anta Diop, Don Settimio Ferrazzetta, e outros. Amílcar Cabral, enquanto pai da nação Guineense e Cabo-verdiana, lançou as sementes que constituíram a base para a Justiça Paz e Bem-Estar para o Povo da Guiné-Bissau e de Cabo-Verde. Por isso as suas obras não deveriam resumir-se apenas às bibliotecas e ou às celebrações. É necessário um engajamento identificado de todos os seus seguidores, amigos e parceiros tradicionais, para transformar essas obras em projectos concretos, susceptíveis de produzir um impacto positivo na vida desse povo hoje dividido em dois. Cabral foi um homem com uma dimensão extraordinária cujos sonhos se resumiram nas aspirações e no progresso dos povos da Guiné-Bissau e Cabo-Verde juntos. As suas obras atingiram essa dimensão graças aos apoios e solidariedade de vários parceiros e países amigos. Não será justo abandonar as obras iniciadas por Amílcar Cabral pela simples razão de ele ter sido morto.
Cabral estava ciente e confiante de que ia morrer como qualquer ser humano, com a esperança de que as suas obras iriam continuar a ser implementadas por várias gerações. O objectivo comum para todo o povo guineense é a reconquista da paz, e ela só será possível com a verdade pelo menos foi o que a Santa Igreja nos ensinou. A paz para nós significa a tranquilidade espiritual, não pode ser reduzida a simples ausência de conflito armado, mas tem de ser entendida como um fruto da ordem que o divino criador estabeleceu para a sociedade humana. Durante a celebração do V° aniversário da nossa Organização no dia 26 de Março de 2007 fiz questão de recordar aos meus irmãos guineenses uma das passagens da mensagem tradicional para o Dia Mundial da Paz, em que Sua Santidade Papa Bento XVI tinha escolhido como tema de reflexão do ano 2006 “ Na Verdade a Paz ” exprimindo uma convicção de que sempre que o homem se deixa iluminar pelo esplendor da verdade, empreende quase naturalmente o caminho da Paz. E sublinha que a constituição pastoral gaudium et spes do Concilio Ecuménico Vaticano II, concluído há 40 anos, afirma que a humanidade não conseguirá construir um mundo mais humano para todos os homens, a não ser que todos se orientem com o espírito renovado para a Verdade da Paz. A originalidade da missão da nossa organização é incitar as autoridades do país a quebrarem os padrões da impunidade e a consequente restauração da justiça, bem como ajudar a conduzir os cidadãos à obediência da Lei, aos princípios do humanismo, contribuindo desta forma para a afirmação do Estado de Direito e Democrático através de campanhas de sensibilização e manifestações pacíficas.
Apesar de muitos dos nossos países de África terem assinado e ratificado vários tratados particularmente sobre os direitos Humanos, muitos dos direitos prometidos têm sido ignorados. Existe um padrão nacional de ameaças de morte, assassinatos, processos judiciais, criminalização dos movimentos sociais e desqualificação moral dos Defensores dos Direitos Humanos e Jornalistas. Mesmo Cabo-Verde, país com a melhor performance na área dos direitos humanos e desenvolvimento a nível da África lusófona, a violência doméstica continua a falar alto no arquipélago. É importante sublinhar a diferença do ambiente e condições de trabalho em que trabalham os defensores dos direitos humanos em África e no resto do mundo. Por exemplo no nosso país, com o actual contexto caracterizado pelo novo fenómeno do tráfico de droga e o alto índice de criminalidade e de descrédito na Justiça, vem piorar a situação, provocando assim que os defensores, incluindo jornalistas que investigam o tráfico de droga, trabalhem com frequência em ambientes e condições extremamente hostis. Algumas das violações e obstáculos com que nós nos confrontamos enquanto Defensores dos Direitos Humanos produzem impactos coercivos na nossa vida e na dos nossos familiares, prevalecendo às vezes por muito tempo. As ameaças de morte, por exemplo, já forçaram muitos de entre nós a mudarmos as nossas rotinas diárias, bem como as dos nossos familiares directos e alguns de entre nós já abandonaram o país, em busca de asilo temporário no exterior. Em várias ocasiões somos objectos de acusações por parte de agentes do Ministério do Interior ou da Procuradoria-geral da República, e obrigados a enfrentar um processo criminal. Aquando da celebração do V° aniversario da nossa Organização em 2007, escolhi como tema de reflexão para esse ano “ Garantir a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos Num Estado Falhado”, reflectindo a preocupação do conhecimento insuficiente das autoridades do nosso país, bem como da maior parte dos nossos dirigentes e do público em geral, sobre o papel vital dos defensores dos Direitos Humanos na implementação dos postulados internacionais em matéria dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Constitui uma preocupação muito séria particularmente no caso do nosso país ainda por desmilitarizar, e que apresenta um sistema legal com grandes deficiências, devido às ingerências ocultas como tinha sublinhado anteriormente. Estou aqui hoje nesta sala com o simples fito de testemunhar a realidade dos activistas dos Direitos Humanos na Guiné-Bissau em particular. Com a vossa permissão, sem pretender alongar a minha explanação, quero sublinhar alguns aspectos que marcaram o meu percurso enquanto defensor dos Direitos Humanos.
Em 26 de Março de 2002, pela primeira vez na história da Guiné-Bissau, um activista dos Direitos Humanos foi preso no exercício do seu mandato. Refiro-me à minha detenção pela Polícia Judiciária Guineense a mando do então Procurador-geral da República, falecido Dr. Caetano N’tchama, seguido da invasão brutal à sede da Liga Guineense dos Direitos Humanos pelos agentes da polícia.
Já fui preso três vezes no exercício do meu mandato enquanto dirigente de organização dos Direitos Humanos e uma vez julgado por um tribunal ilegal durante três dias consecutivos, enquanto estava sob custódia da Policia Judiciária. O julgamento terminou com uma sentença forjada de dois anos de prisão em Abril de 2002, que não foi efectivada porque fui absolvido pelo Supremo Tribunal três meses depois, graças a um recurso interposto pelo meu
advogado. A minha última prisão aconteceu a 22 de Abril de 2004, pelo Ministério do Interior, quatro horas depois de eu ter efectuado algumas ofertas aos familiares dos prisioneiros que estiveram indefinidamente presos no quartel do exército de Cumeré.
Só em 2007 fui notificado mais de 14 vezes pelos órgãos judiciais guineenses principalmente pela Procuradoria-Geral através do Ministério Público, devido às pressões que a nossa organização tem estado a exercer para que os casos dos assassinatos por motivos políticos e mortes sob custódia sejam investigados e que seja feita justiça de forma a desencorajar as pessoas que planeiam cometer tais tipos de crimes. A Guiné-Bissau está confrontada com um desafio extremamente difícil que é o combate ao narcotráfico, e que tem assombrado a costa ocidental Africana, constituindo uma ameaça à identidade do povo guineense e à integridade do país. O combate a este flagelo deveria constituir uma tarefa de todos os cidadãos guineenses em particular. Tomei a liberdade de emitir a minha opinião no dia 11 de Julho de 2007 sobre eventuais medidas possíveis para um combate eficaz e urgente do flagelo em causa. Essas medidas, de acordo com o meu ponto de vista pessoal, passariam pelas mudanças dos comandos das forças de defesa e segurança bem como a reforma do aparelho judiciário e administrativo do país. A opinião foi mal acolhida no seio dos órgãos em causa, apesar de as evidências serem claras, o
que não constitui segredo para ninguém. Assuntos esses que já foram objecto de análise pela opinião pública nacional e internacional, e constam nos relatórios dos países interessados no assunto, e das Nações Unidas em particular. Por essa simples razão fui procurado pelos agentes das Forças Armadas e de segurança do Ministério do Interior bem como da Polícia Judiciária em todo o território nacional. Esses factos foram reportados no passado mês de Julho e Novembro de 2007 pelo Canal 4 da televisão da Inglaterra, cujo filme se encontra disponível na Internet através do site: http://www.channel4.com/news/articles/society/law_order/africas+drugs+gatewa y+to+europe/611152.
Por isso tive que me refugiar num lugar discreto e posteriormente na sede das Nações Unidas, aguardando uma melhor percepção e interpretação da minha opinião. Regressei à minha vida social no dia 23 de Agosto de 2007, com garantias de segurança reforçada por parte do Ministério da Administração Interna, na presença dos representantes de várias organizações da sociedade civil nomeadamente a Liga dos Direitos Humanos, o Movimento Nacional da Sociedade Civil, a Organização West Africa Net Work for Peace Building, e do meu Advogado, Dr. Amine Saad. Com esta mensagem conto poder encorajar mais pessoas a defenderem os direitos humanos para se tornarem Defensores dos Direitos Humanos, recordando que os Defensores dos Direitos Humanos são sobretudo identificados pelo que fazem a favor da promoção e protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Quero igualmente encorajar as organizações que têm lutado para pôr fim à Violência contra a mulher e a mutilação genital, para procederem com as suas campanhas e lobing junto dos governos e parlamentares com o propósito de fazer dos direitos da mulher e das crianças uma realidade. As mulheres africanas não devem ser vítimas da nossa antiga educação, elas constituem a espinha dorsal desse continente e assumem a maior parte da vida da família. Por isso não devem ser tratadas como animais e as suas fidelidades ganham-se por confiança e afecto e não através da violência ou de meios rituais bárbaros…                      
                                           Muito Obrigado
                                                                                  Mário Sá Gomes


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