terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Poema Décimo

 
 "Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?"
"Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?"
"Muita coisa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras coisas
De memórias e de saudades
E de coisas que nunca foram".
"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti".

                                                           Alberto Caeiro

 O texto apresenta um diálogo entre o guardador de rebanhos e um interlocutor. Um e outro manifestam o seu ponto de vista acerca do vento que passa, que é o mesmo que dizer acerca de tudo o que passa, das coisas que passam (o vento, como um dos elementos da natureza que maior mobilidade possui).
O guardador de rebanhos encontra-se à beira da estrada (v.2). Para ele, o vento é apenas o vento, passa como passou antes e passará depois (vv.5, 6) e nada mais. 
O interlocutor, que é quem coloca a questão ao guardador de rebanhos, responde que para si o vento é "muito mais do que isso" (v.8); "fala-lhe de muitas outras coisas" (v.9), "de memórias e de saudades/E de coisas que nunca foram" (vv.10-11). Para o guardador de rebanhos, o interlocutor nunca ouviu passar o vento, dentro dele está a mentira - já que ele não vê nas coisas as próprias coisas, mas vai muito mais além.
A sinceridade estará em verem-se as coisas tais como são, na sua naturalidade, sem se buscarem segundos sentidos.
Pelas posições que um e outro assumem, poderemos ver no guardador de rebanhos o Mestre e no seu interlocutor o discípulo. O discípulo que interroga o Mestre e o Mestre que ensina o discípulo.
Como é regra em Caeiro, estamos neste texto em presença do verso livre e branco, do tom discursivo próprio da linguagem coloquial, da estrutura livre (aqui um terceto e três quadras), do vocabulário simples recorrendo  a repetições,  da personificação dos elementos da Natureza (do vento, que é colocado em relevo como participante de destaque do mundo natural em que o pastor vive).

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