segunda-feira, 9 de maio de 2011

Memorial do Convento


 








Felizmente Há Luar





Contextualização


A história passa-se na época da revolução francesa de 1789.
As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João VI foge para o Brasil. Depois da primeira invasão, a corte pede auxilio a Inglaterra para reorganizar o exército. Esta envia o general Beresford.

Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime salazarista através desta época particular da história. Assim, o recurso à distanciação histórica e à discrição das injustiças praticadas no inicio do século XIX permitiram-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE, entre outras.

Carácter épico



"Felizmente Há Luar" é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico e inspirado na teoria marxista, que apela às reflexão, não só no quadro da representação, mas também na sociedade em que se insere.

De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o publico a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõem um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que se está a ser representado.

Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é, já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo, então, uma capacidade crítica e analítica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários, didascálicas e focos de luz.

Estes são, também, os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pôr em evidencia a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a injustiça e todas as formas de perseguição.



     Objectivos

·       Auto-representação das personagens e narrador

·       Elementos técnicos não escondidos

·       Música e cenários destroem a ilusão da realidade

·       Efeito de conjunto (justaposição/montagem de episódios)

·      A História desenrola-se numa série de situações separadas que começam e acabam em si mesmas

·      O  Teatro deve fazer pensar e não provocar sensações

·       Intenção de crítica social

·       Concepção das personagens a partir da função social



Personagens

1.       Povo



®      Rita, Antigo Soldado, Populares

·       Personagem colectiva

·       Representam o analfabetismo e a miséria

·       Escravizado pela ignorância

·       Não tem liberdade

·       Desconfiam dos poderosos

·       São impotentes face à situação do país (não há eleições livres, etc.)



®       Manuel

·       Denuncia a opressão

·       Assume algum protagonismo por abrir os dois actos

·       Papel de impotência do povo



®      Matilde

·       Personagem principal do acto II

·       Companheira de todas as horas de Gomes Freire

·       Forte, persistente, corajosa, inteligente, apaixonada

·       Não desiste de lutar, defendendo sempre o marido

·       Põe de lado a auto-estima (suplica pela vida do marido)

·       Acusa o povo de cobardia mas depois compreende-o

·       Personifica a dor das mães, irmãs, esposas dos presos políticos

·       Voz da consciência junto dos governadores (obriga-os a confrontarem-se com os seus actos)

·       Desmascara Principal Sousa, que não segue os princípios da lei de Cristo



®      Sousa Falcão

·       Amigo de Gomes Freire e Matilde

·       Partilha das mesmas ideias de Gomes Freire mas não teve a sua coragem

·       Auto-incimina-se por isso

·       Medroso


2.       Delatores

Representam os “bufos” do regime salazarista.



®      Vicente

·       É do povo mas trai-o para subir na vida

·       Tem vergonha do seu nascimento, da sua condição social

·       Faz o que for preciso para ganhar um cargo na polícia

·       Demagogo, hipócrita, traidor, desleal e sarcástico

·       Falso humanitário

·       Movido pelo interesse da recompensa

·       Adulador do momento



®      Andrade Corvo e Morais Sarmento

·       Querem ganhar dinheiro a todo o custo

·       Funcionam como “bufos” também pelo medo que têm das consequências de estar contra o governo

·       Mesquinhos, oportunistas e hipócritas



3.       Governadores

Representam o poder político e são o cérebro da conjura que acusa Gomes Freire de traição ao país; não querem perder o seu estatuto; são fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo



®      Beresford

·       Representa o poder militar

·       Tem um sentimento de superioridade em relação aos portugueses e a Portugal

·       Ridiculariza o nosso povo, a vida do nosso país e a atrofia de almas

·       Odeia Portugal

·       Está sempre a provocar  principal Sousa

·       Não é melhor que aqueles que critica mas é sincero ao dizer que está no poder só pelo seu cargo que lhe dá muito dinheiro

·       Tem medo de Gomes Freire (pode-lhe tirar o lugar)

·       Oportunista, severo, disciplinar, autoritário e mercenário

·       Bom militar, mau oficial



®      Principal Sousa

·       É demagogo e hipócrita

·       Não hesita em condenar inocentes

·       Representa o poder clerical/Igreja

·       Representa o poder da Igreja que interfere nos negócios do Estado

·       Não segue a doutrina da Igreja para poder conservar a sua posição

·       Não tem argumentos face a Matilde

·       Tem problemas de consciência em condenar um inocente, mas não ousa intervir para não perder a sua posição confortável no governo

·       Fanático religioso

·       Corrompido pelo poder eclesiástico

·       Desonesto

·       Odeia os franceses

·       Defende o obscurantismo



®      D. Miguel Forjaz

·       Representa o poder político e a burguesia dominadora

·       Quer manter-se no poder pelo seu poder político-económico

·       Prepotente, autoritário, calculista, servil, vingativo e frio

·       Corrompido pelo poder

·       Primo de Gomes Freire





  Gomes Freire de Andrade

·         Representa Humberto Delgado

·         Personagem virtual/central

·         Sempre presente nas palavras das outras personagens

·         Caracterizado pelo Antigo Soldado, por Manuel; D. Miguel e Beresford

·         Idolatrado pelo povo

·         Acredita na justiça e na luta pela liberdade

·         Soldado brilhante

·         Estrangeirado

·         Símbolo da esperança e liberdade



v  Policias: representam a PIDE



v  Frei Diogo de Melo: representa a Igreja consciente da situação do país...



Tempo



®      Tempo histórico ou tempo real (século XIX - 1817)

·       Invasões francesas (desde 1807): rei no Brasil

·       Ajuda pedida aos ingleses (Beresford)

·       Regime absolutista

·       Situação económica portuguesa má: dinheiro ia para a corte no Brasil

·       Regência, influenciada por Beresford (símbolo do poder britânico em Portugal)

·       Primeiros movimentos liberais (1817), com a conspiração abortada de Gomes Freire

·       25 De Maio de 1817 – prisão de Gomes Freire; 18 de Outubro de 1817 – enforcado, datas condensadas em dois dias na peça (tempo de acção dramática)

·       Governadores viam na revolução a destruição da estrutura tradicional do Reino e a supressão dos privilégios das classes favorecidas

·       O povo via na revolução a solução para a situação em que se encontrava

·       Revolução liberal de 1820

·       Implantação do liberalismo em 1834, com o acordo de Évora-Monte



®      Tempo metafórico ou tempo da escrita (século XX - 1961)

·       Permanentemente presente (implícito)

·       Época conturbada em 1961: guerra colonial angolana; greves; movimentos estudantis; pequenas “guerrilhas” internas; crescente aparecimento de movimentos de opinião organizados; oposição política

·       Situação política, social e económica de desagrado geral

·       Regime ditatorial salazarista: desigualdade entre abastados e pobres muito grande; povo reprimido e explorado; miséria, medo; analfabetismo e obscurantismo

·       PIDE, “bufos”; censura; medidas de repressão/tortura e condenação sem provas

·       Sttau Monteiro evoca situações e personagens do passado como pretexto para falar do presente

·       Grande dualidade de conceitos entre os dois tempos: Gomes Freire é Humberto Delgado; os governadores três são o regime salazarista; Vicente e os delatores são os “bufos”; os homens de Beresford são a PIDE…



Estrutura



A acção da peça está dividida em dois actos (estrutura externa), o primeiro com onze sequências e o segundo com treze (estrutura interna). No acto I trama-se a morte de Gomes Freire; no acto II põe-se em prática o plano do acto I.




Os símbolos



·       Saia verde: comprada em Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. “Alegria no reencontro”; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança

·       Título: duas vezes mencionado inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo de revolte)

·       Luz: vida, saúde e felicidade

·       Noite: mal, castigo, morte

·       Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periocidade, renovação

·       Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade

·       Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar

·       Titulo: D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo; Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.

·       Moeda de 5 reis: símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus

·       Tambores: símbolos da repressão



Espaço



·       Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes

·       Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens.