O facto de Pessoa se ressentir de que digam que finge, tem a ver com o seu processo criativo e pelo facto de ter sempre sido considerado - mesmo em vida - como um poeta eminentemente racional. Diziam os seus contemporâneos que nada nele seria espontâneo, mas sempre pensado. "Defendendo-se", afirma que "sente com a imaginação", ou seja, usa a imaginação como barreira defensiva da crueldade do mundo real.
Todo os passos da poesia de Pessoa são "terraços", são passos intermédios entre uma coisa e o seu significado. O poeta quer, acima de tudo , a verdade das coisas, mas para a alcançar, e sabendo como é difícil, desenha degraus, pouco a pouco, para a atingir. Deste modo se pode perceber um pouco a razão do afastamento das coisas e, sobretudo, do fingimento.
Fingir é também possibilitar "sentir as coisas de todas as maneiras", como dizia o heterónimo Álvaro de Campos. Só se pode sentir tudo de todas as maneiras, se não se sentir nada de maneira nenhuma: se não estivermos presos pelo sentir das coisas, será talvez possível descobrir a verdade que escondem.
Para Pessoa, fingir não é uma fraqueza, mas antes um método de conhecer (e alcançar) a verdade das coisas, não se envolvendo demasiado nelas. Afastando-se Pessoa observa, e apenas afastado consegue ver mais claramente tudo o que o rodeia. Deixa o "sentir" para os outros, para "quem lê".
"Essa coisa é que é linda" refere-se aos terraços, aos passos intermédios entre as fases do conhecimento. Não é a coisa presente que é a realidade, a verdade, mas um passo seguinte: e é essa descoberta, esse processo, que revela a beleza das coisas, na sua interminável complexidade.
Se toda a Arte é a conversão duma sensação em objecto, toda a Arte é a conversão duma sensação numa outra sensação.
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