terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Nevoeiro"


 
O poema “Nevoeiro” é o último poema da Mensagem. Enquadra-se na terceira parte do livro, dedicada ao Encoberto.

O título do poema vem no seguimento dos outros poemas da secção “Os Tempos”. Ao longo desta série de cinco poemas Pessoa descreve, metaforicamente, desde um passado remoto a um futuro ainda sem data, a evolução de Portugal. Como bem se compreende, o titulo deste último poema pretende comunicar um misto de indefinição e de segredo. “Nevoeiro” é uma substância mutável, que esconde como um véu uma outra realidade, que a surgir, apenas surge quando afastado esse véu.


Pessoa considera Portugal num estado letárgico, indefinido, como um manto de nevoeiro. Por isso ele diz “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e ser / Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer –“. É a tal “crise de identidade” que refere na sua pergunta. É uma crise tão profunda, tão sedimentada, que não haverá nenhuma mudança pelo governo dos homens. Nem a guerra – mudança das mudanças – poderá demover Portugal do seu triste estado.


Como um “brilho sem luz”, Portugal vive, mas é uma vida triste e inconsequente, sem destino.


A segunda estrofe confirma o que foi dito na primeira. Depois de desenhar o perfil psicológico macroscópico, Pessoa passa ao nível microscópico – das almas individuais. São elas que não sabem o que querem, nem tão pouco se conhecem, inevitavelmente caindo num decadente vazio moral. Como o país, os seus habitantes partilham do mesmo destino, são porções ínfimas que constituem o “Nevoeiro” que se vê mais do alto.


A expressão entre parênteses é, na minha opinião, o momento de viragem do poema. Embora ele seja em essência triste, neste momento começa a exortação à mudança. Isto porque a descrição que Pessoa faz é positiva, mesmo que use de negatividade para enfatizar o seu discurso. Por isso este parênteses exactamente no meio da segunda estrofe – como uma quebra da negatividade e começo da exortação à mudança, a melhores tempos. Usa-o para nos fazer acreditar na mudança, mesmo que paradoxal ela é possível. Ele dirá como.
Esse como é a profecia. Não é só Portugal que é nevoeiro, tudo é nevoeiro – diz-nos o poeta. O mesmo é dizer que em tudo há mistério e possibilidade de mudança. Se a indefinição é má, é positiva do ponto de vista de ser maleável, fonte de todas as mudanças futuras.

Nesta perspectiva o passado não é mais do que uma ponte para o futuro. Os grandes triunfos no mar, as conquistas materiais, tiveram o seu tempo e existiram para serem passageiras, foram uma lição de humildade. A recompensa não é da terra, é dos céus e deve nos céus ser procurada. Senão as conquistas não teriam feito do país “Nevoeiro”.


Poema velado, de grande intensidade dramática – embora sub-reptícia, “Nevoeiro” apresenta os seguintes recursos estilísticos relevantes: uso de uma anáfora e de uma antítese, catorze versos octossilábicos distribuídos por uma sextilha uma séptima e um verso isolado de três sílabas,  uso de um sistema de redundantes negativas que enfatizam o estado de nevoeiro do país, uso do verso solto que leva a uma epifania final, exortação.


Os Lusíadas terminam de forma muito diferente da Mensagem e simultaneamente de forma similar. Camões exorta um rei vivo às conquistas ainda possíveis, embora se adivinha já o fim do Império. Pessoa já não tem Império em que ter esperança e a sua exortação é necessariamente interior, espiritual. O que é parecido em ambos é a esperança positiva na mudança – não há um fatalismo triste, como se costuma julgar. Ambos esperam a mudança para melhor, acreditam num futuro melhor. A “apagada e vil tristeza” de Camões, o “fulgor baço da terra” de Pessoa, são maneiras semelhantes de caracterizar o presente do país – agora como então. Ambos estão desapontados com a realidade e querem a mudança – um pela guerra, o outro pela irmandade. Aí reside talvez a principal diferença entre ambos.



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