Trata-se de um poema algo inesperado do ponto de vista formal, visto que a maioria dos poemas ortónimos tendem a favorecer uma construção em quadras ou quintetos e aqui temos uma estrofe única com 9 versos e com um esquema rítmico também irregular. A temática do poema, no entanto, não é invulgar para a poesia ortónima Pessoana, visto que trata da infância, mais concretamente do confronto entre o passado (infância) e o presente (idade adulta). O sujeito poético diz-nos que o presente em nada continua o que foi a sua infância. As duas primeiras linhas falam disso mesmo, sendo que a segunda - usando um hipérbato, uma forma de inversão da ordem natural das palavras - reforça a dramatização do sentimento. A grande dúvida do poeta é a sensação de estranheza perante a sua infância (que ele sempre recordará como um tempo feliz, quase cristalizado). Essa memória de felicidade é-lhe tão estranha que ele duvida se ela realmente existiu, porque nada dela resta agora, quando ele é adulto: "A criança que fui vive ou morreu?", pergunta ele. A dura realidade é que essa criança de facto já não existe. Em Pessoa - na poesia racionalizada de Pessoa - é importante realçar o facto da análise muitas das vezes sufocar o sentimento, embora não o destrua por completo. As sucessivas perguntas impedem que o verdadeiro sentimento do sujeito poético flua livremente, visto que ele apenas aparenta querer descobrir uma razão lógica para o que sente. A conclusão lógica é que ele é "um outro". É uma conclusão fria, que determina que nada resta dele enquanto criança (embora faça a pergunta, parece saber a resposta). É um adulto que cresceu na inconsciência de estar a tornar-se num adulto - por virtude da sua infância ter sido cortada, de ele não sentir que teve uma pré-adolescência e adolescência felizes. |
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Porque esqueci quem fui quando criança?
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário